
“Ridículo? Ridículo é saber que é preciso mudar
e ficar sentado esperando que isso aconteça sozinho”
e ficar sentado esperando que isso aconteça sozinho”
Já se passaram mais de dois meses que iniciamos os trabalhos da lujinha. Vale registrar que, quando o nosso Senhor comprou este estabelecimento, o combinado foi que tanto o local quanto as mercadorias fariam parte do negócio. Entretanto, parte do estoque não estava catalogado.
Nesta terça-feira, após as orações e desjejum, resolvemos tirar todas as mercadorias que desconhecíamos para fora da loja. Qual não foi a nossa surpresa ao descobrir uma grande quantidade de ferramentas sem uso, tecidos novos e tinas de vinho velhas.
As ferramentas eram inadequadas. Como alguém pode comprar cento e cinquenta foices para vender no deserto? “É por isso que aquele galego vendeu tudo tão barato”, resmungou o velho Kalil. “Simplesmente ridículo”. Sem dó nem piedade, levamos as ferramentas para o bom Sarosh, artesão da cidade. Com as peças, também levamos a ordem: “Transforme tudo em algo que preste. De nada vale termos uma ferramenta que não tem utilidade”. E com parte do metal derretido, fizemos nossa primeira liquidação de arreiros para montarias. Vendemos tudo aos bons irmãos das caravanas e ainda ganhamos o frete das especiarias encomendadas. Uma pequena parte do metal foi reservado para “uma surbresa”, palavras do bom Sarosh.
Para os tecidos novos, mandamos fazer túnicas de domingo para o velho Kalil, duas batas para o pequeno Nahan e uma túnica para este pobre libanês. Como eram todos tecidos cor de anil e camisas brancas, quando saíamos juntos, a cidade nos chamava de O ciclo da vida. “Lá vai o menino, o homem e o velho”. Achávamos isso engraçado e pouco nos importava os comentários. Se não vai ajudar, então não atrapalhe cidadão.
Quanto às quatro tinas de vinho, levantei o machado até a altura dos ombros e comecei a destruir uma por uma. Nahan que não entendia nada perguntou para ao velho Kalil “Tio, por que não aproveitamos os vasos?” “Porque eles não possuem vinho, filho”. “Mas não podemos colocar vinho dentro?” “Não, vinhos e tinas envelhecem juntos. Do contrário, um atrapalha o tempo de maturidade do outro”. Mandamos moer os cacos e mandamos o pó para o Oleiro.
E depois de uma semana, ganhamos um novo espaço para expor as novitudes na lujinha e, finalmente, a casa perdeu o ar de bagunça que rondava o estabelecimento desde primeiro dia da nossa chegada. De nada adianta arrumar uma parte da vida e deixar a outra desorganizada ou perdida.
Depois de alguns meses, recebi um embrulho enrolado no tecido azul anil. Era uma estátua pequena de um caçador tuareg em cima de um cavalo árabe que é o Rei dos Cavalos. Na base da estátua, a seguinte frase: Para que o novo entre, o velho precisa sair.
A lujinha começava a dar seus primeiros passos em direção a um lar.
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