"Amor é fogo que arde sem se ver;"
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer
Quando o sol se colocou no topo do dia, as atrapalhadas de Nahan já eram motivo de piada dentro da lujinha. “Ei, moço pegue uma caneca de Elmira, digo, de ervilha para o cliente”. “Kalil atira bra tudo quanto é lada; eu não. El-mira”, dentre outros jogos de palavras e brincadeiras provocativas. Mas nada tirava a cara de bobo e o sorriso de auto-satisfação do nosso jovem amigo. Por volta do fim da tarde, não aguentamos tanto mel. “Nahan, o que você quer que façamos para resolver isso?” Disse Kalil com a mão no ombro do jovem calado. Nahan olha nos olhos do velho amigo e dispara: “Tio, apresente meu pedido de casamento à família de Elmira. Quero me casar com ela.” Kalil já não sorria mais. Balbuciou um “mas” e ficou olhando para mim, balançando o braço como se eu tivesse que dar alguma resposta. Não aguentei e soltei uma gargalhada para os dois. “Libanês, eu não sou o pai desse inquieto”, respondi que ele era o mais velho e a tradição diz que os mais velhos representam as famílias dos noivos. “Mas seu libanês, você é mais velho do que Nahan vinte anos, disse Kalil com a voz embargada. “E eu sou 20 anos mais novo do que você Kalil. Logo, você é o representante, meu bom amigo”.
“Está bom. Com quem devo conversar?” “Com a mãe dela”, respondi já esperando uma reação explosiva. “Mãe de quem?” “Vou ter que sentar com a mãe dela para tratar do casamento?” Esbaforiu o Kalil já sentando sem cima das sacas de cevada. Explicamos que a senhora era viúva e que ela era a líder do grupo e a responsável pelos negócios e pela a sua única filha. Por isso o gênio forte. “Então eu não sei? Com tanta moça você teve que gostar da mais brava?” “Até os irmãos Tuaregs tem medo de negociar com esta mulher”. “Libanês! Você me paga!”.
Preparamos uma cesta com queijos, frutas e azeites, mandamos para a casa da moça e pedimos uma audiência para o dia seguinte. A família de Elmira se instalou do outro lado da vila onde ficam as arenas e vendas de animais. Esse era o negócio da família dela.
No dia seguinte Kalil e Nahan foram conversar com a ilustríssima senhora Alice Karim. A conversa foi tranqüila e a senhora Alice foi direta: “minha filha é o meu maior tesouro. Como este jovem vai sustentá-la?” “Com muito trabalho", respondeu Nahan com uma voz leve mais firme. A senhora Alice mandou chamar Elmira. A jovem chegou até a sala principal cobrindo o rosto, como se faz nos costumes. Elmira ouviu da mãe o resumo da conversa e a pergunta. “Filha: você ama este jovem?” A resposta afirmativa e o sorriso mesmo parcialmente escondido pelo véu não deixou dúvida sobre o desejo da filha. “Vi a capacidade do seu filho senhor Kalil quando a tempestade de areia tomou conta dessa vila. Vamos acordar os preparativos.
Kalil que antes estava reticente com a conversa agora ficava admirado com a firmeza e, ao mesmo tempo, doçura da senhora Karim. O dia desdobrou e os assuntos também. No final, os dois se despediram da mãe e da filha.
Em silêncio, o jovem e o velho voltam para a lujinha pensando na conversa que tiveram com aquelas mulheres simples e, ao mesmo tempo, tão encanadoras e enigmáticas. No mais, só a certeza que um apaixonado foi e dois apaixonados voltaram.