“Se eu escolhi você para o trabalho, então significa que é possível ser feito com o que temos, não? Agora vão e que as boas notícias cheguem em breve a minha casa.
Mais uma coisa, quero que cuidem de uma pequena loja que comprei na Vila.”*
O Grande Cid Amim Aanisan
Senhor de terras, cidades e também nosso Senhor
Vamos abrir mais um dia que é hora dos trabalhos. Agora, o bom amigo Kalil não cuida mais das compras da lujinha. Esta é uma tarefa feita por Nahan. Quem diria: de pobre desafortunado para um promissor líder desse povo. Kalil quer se dedicar aos negócios de animais e transporte de mercadorias que precisam sair e chegar com a devida segurança.
Os acontecimentos que vocês presenciaram através das minhas narrativas foram devidamente registrados e enviados para o conhecimento do nosso Senhor, juntamente com a contabilidade da nossa lujinha. No último caderno encaminhado no mesmo dia do aceite de casamento de Kalil, escrevi ao nosso senhor as seguintes palavras: “Meu Senhor, de tudo o que temos visto e ouvido, entendemos que cumprimos a vossa determinação de prosperar nesta terra. Agora, se nos fosse permitido, rogo à sua bondade que dispense nosso amigo Kalil para que ele assuma os negócios da sua nova família. Peço também para que a nova família que agora é erguida pelas mãos de Nahan e Elmira seja responsável pelos negócios da sua loja. Quanto a mim, meu Senhor, continuo aos seus serviços enquanto durar a Sua vontade sobre a minha vida”.
A carta e os cadernos foram entregues ao nosso Clérigo que tinha uma audiência com o nosso Senhor, por algum motivo que desconheço. Quem pergunta muito acaba respondendo algo que não quer. Apenas aproveitei a ocasião e expliquei qual era o conteúdo de cada carta e, se possível, que o nosso sacerdote intercedesse pelo bom futuro dos nossos amigos. Após ouvir as minhas palavras recebi a promessa de ele seria testemunha dos fatos registrados. A sorte estava lançada.
Não tive coragem de contar aos outros o meu pedido. Levantaria falsas esperanças e isso seria muito ruim, principalmente às portas de dois casamentos. A solução foi focar no trabalho e não ficar pensando muito nisso, como se fosse possível não pensar muito nisso.
Enquanto a resposta não vinha, durante as minhas noites de insônia, ficava lembrando a conversa que tive na casa do nosso Senhor quando hesitei em aceitar a tarefa de me mudar para esta Vila. Somos chamados para fazer algo que não gostamos, em lugares que não desejamos estar. O que não me disseram é que podemos aprender a gostar de algo ou das pessoas que passam pelo caminho. Lembrei do olhar para os lírios plantados no jardim, lembrei da cadeira alta que fica no jardim interno, próximo a uma oliveira. Meu Deus! Como sou um estúpido! De fato, a ansiedade é uma espécie de burrice!
Por que esconder? Durante os dias de espera e preparativos, a vontade de deixar aquele lugar voltou a visitar os meus pensamentos. Agora a motivação era pelo senso de dever cumprido e não mais pela falta de entendimento.
Faltam dois dias para as festividades. Fui chamado pelo nosso Clérigo que me esperava no chafariz interno da nossa Capela. Deixei os afazeres da lujinha e fui ter com ele esperando sei lá o que. Estranho, na porta da casa de orações estava esperando alguns berbères com cavalos, coisa rara por esses lados... .
Após as saudações costumeiras, recebi três cartas com o selo da casa do nosso Senhor. A primeira carta tinha o nome de Nahan, a segunda o nome de Kalil. A terceira tinha o meu nome. A minha carta começava com a seguinte frase:
“Meu amigo Libanês, você compreendeu o deveria ser feito.”
* leia a postagem de 03 de março - TODO INÍCIO É ESTRANHO E DUVIDOSO