“A palavra minarete é derivada da palavra minar ou farol. Talvez, essas estruturas tenham derivado das torres de sinalização e vigia.”
As vendas da nossa lujinha de idéias caminham bem. A pequena vila já tornou ponto de parada das caravanas e negócios da região. Os aldeões que antes eram reféns de um comportamento sem perspectivas, agora propõem parcerias, ajudam e são ajudados.
A areia que mede o nosso tempo aqui está se findado. O bom Kalil, que antes se apresentava forte e bem disposto, agora se dedica às tarefas domésticas e reclama a cada necessidade de sair, até para a vistoria dos poços de água que duram menos do que um dia de caminhada. Nahan é agora um jovem. O menino que antes corria pelas ruas aprontando aqui e ali, agora trabalha com seriedade e disposição. Já fez duas viagens com os irmãos Tuaregs e com o salário recebido, comprou uma junta dos mais belos jamales da região.
Na tarde do sexto-dia, recebemos a notícia que este ano teremos a maior tempestade de areia, após anos de tranqüilidade. Tempestades de areia não são temidas apenas pelos transtornos causados pela sujeira. Seu maior dano é ver tudo que as pessoas construíram serem tomadas pelo medo da expectativa. É como se as pessoas ficassem paralisadas aguardando por um problema que pode vir ou não; pode ser hoje, ou não.
Para diminuir um pouco esse clima de ansiedade, alguns moradores e ex-combatentes foram chamados na capela logo pela manhã. Após um pouco de chá e discursos sem muita importância, o nosso clérigo explicou o risco que a nossa vila corria. “Não vamos sofrer muitos danos materiais, pois os muros da cidade são altos e largos. Tenho medo de perder as pessoas, pois precisamos ser avisados da chegada da tempestade com antecedência.”
Nossa vila possui 03 pequenas torres em cada extremidade da cidade e uma torre mais alta próxima da entrada e bem ao lado da nossa lujinha. Essa torre era usada no tempo das guerras e constantes invasões do passado. Hoje, seu uso era de um celeiro auxiliar. O seu nome: O minarete de Aslan, ou O minarete do Leão. Esse nome foi dado pelos antigos não só pelas belas esculturas que ficam na base da torre, mas pelo fato do vento ao bater nas janelas e detalhes da torre gerar um barulho semelhante ao urro de um Leão.
Por ser a maior das torres, O Minarete de Aslan não era e ainda não é o lugar mais agradável de estar. Como vizinhos do local, nossa responsabilidade é mantermos uma constante vigilância até o fim da lua cheia, quando chega o período das monções (de uma a três semanas). Os sinais da tempestade são conhecidos: as palmeiras do leste mudam o jeito de balançar, os animais mudam de ânimo e o céu muda de cor.
Do amanhecer até ao meio dia a vigília ficou por conta do bom amigo Kalil; na parte da tarde até o fim do por do sol, Nahan assumia os trabalhados, considerando ser o período mais quente e mais propício para problemas (ônus da juventude). À noite, como de costume, fico acordado fazendo minhas anotações e vigiando.
Foram estas noites que nos trouxeram até aqui. As dificuldades e os riscos contam e contarão a nossa história e, muitas vezes, precisamos de um pouco de solidão para analisar de onde viemos, onde estamos e para onde vamos com as atitudes que tomamos a cada dia.
Ao terminar os últimos relatórios sobre as vendas ao nosso Senhor, um vento frio soprou vindo da direção das palmeiras. A tempestade chegou. Agora resta-nos tocar o sino de alerta, descer a torre, fechar as portas e esperar.
Ao entrar na lujinha, encontrei meus amigos sentados na mesa de refeições. Estavam comendo um pouco de carneiro com lentilhas. Lentilhas de onde tudo começou e que agora víamos a possibilidade de ver tudo acabar. Os ventos sopravam na torre de Aslan fazendo o leão rugir. “Os animais estão seguros?” Perguntei ao jovem Nahan, tentando mudar o foco da conversa. “Estão bem tio. Todos e tudo estão bem”. “Só no resta esperar” Falou pausadamente o bom amigo Kalil soprando a xícara de chá quente.
Esperamos mais duas horas. O rugido do vento não parava. O que dizer nessa hora: na hora em que nenhuma palavra ou receita animadora funciona? Em silêncio, Nahan pegou o seu pequeno solidéu gasto pelos anos, colocou na cabeça e as palavras ditas em seguida não foram exatamente estas, porque as circunstâncias não me permitiram esse cuidado:
“Deus, ajude-nos a passar pela tempestade. Fizemos tudo o que foi possível fazer, mas o vento está acima do nosso chapéu. Mas Deus, sabemos que o Senhor está acima do vento”.
Demorou um pouco para amanhecer depois de tanta areia e vento. De fato, tivemos perdas materiais e de alguns animais com a tempestade. Felizmente, nenhuma vida humana se perdeu. Estávamos todos juntos no centro da vila quando uma jovem no meio da multidão perguntou: “O que fazemos agora?” Em resposta, nosso amigo Nahan respondeu com um tom de voz que nunca tínhamos visto antes: “Agora, construímos tudo de novo”.