quarta-feira, 3 de março de 2010

TODO INÍCIO É ESTRANHO E DUVIDOSO


No início do Inverno, nosso Senhor chamou a sua presença dois dos seus servos: O primeiro era o bom amigo Kalil que cuidava das compras da casa e experiente guia de caravanas. O segundo era este Libanês que vos fala. Naquela época, eu tinha a responsabilidade das anotações das compras e vendas. Nosso Senhor esperava sentado em uma cadeira alta, no jardim interno da casa, próximo a uma oliveira. Não perguntei sobre o motivo do chamado. Quem pergunta muito acaba respondendo por algo que não deseja.

“Quero que vocês dois se preparem para uma tarefa que darei. Meu filho logo vai se casar e quero que a Vila onde a sua noiva nasceu se desenvolva e se transforme em um ponto de comércio próspero. Quero que vocês se mudem para esta Vila e ajudem as pessoas em segredo. Mas vou logo alertando: o povo que vive naquela cidadezinha é simples e acomodado com a própria pobreza. Não será fácil mas quero que seja feito”.

“Mas meu Senhor, perguntei com voz hesitante, e se falharmos?” Meu Senhor olhava em silêncio para os lírios plantados no jardim quando respondeu com as seguintes palavras: “Se eu escolhi você para o trabalho, então significa que é possível ser feito com o que temos, não? Agora vão e que as boas notícias cheguem em breve a minha casa”. “Mais uma coisa: quero que cuidem de uma pequena loja que comprei naquela Vila”.

Desde então, temos vivido desse pequeno estabelecimento. O velho Kalil, cuidando das compras e desse libanês resmungador, enquanto cuido dos negócios e tento entender a vontade do meu Senhor na minha vida.

Seria uma punição ou a conseqüência de um erro cometido?

Por que somos chamados para fazer algo que não gostamos, em lugares que não desejamos estar?

Perdi o conforto da casa do meu Senhor para viver de uma lujinha de idéias. De bom, só a companhia do velho Kalil e agora a presença desse pequeno estrangeiro, filho da desventura de perder seus pais no deserto.

Vou deixar tudo isso. Não por incapacidade, mas pela falta de entendimento do que deve ser feito.

Neste mundo, só existem dois tipos de pessoas: aquelas que conseguem compreender o que deve ser feito e aquelas que não conseguem.


Vamos parar de devaneios e abrir mais um dia que é hora dos trabalhos.

UM PRESENTE PARA LEMBRAR


“Quem conseguiria ouvir estas palavras? A realidade muitas vezes precisa ser apresentada com um pouco de fantasia para que a mudança seja algo suportável.”

A presença do pequenino na lujinha mudou o nosso cotidiano.

Preocupado com os possíveis falatórios do mercado, busquei orientação junto ao nosso Clérigo para ver se devíamos continuar ajudando o nosso convidado. “Você quer criar esse menino?” foi a pergunta direta que recebi. “Lembre-se que se você deseja entrar na vida de uma pessoa, você se torna responsável pelo bem estar dessa pessoa para todo o sempre. Quanto aos possíveis falatórios, só os mortos não se importam com as acusações. Só os mortos!”

Acordamos que o garoto passaria o dia na lujinha aprendendo e trabalhando conosco. No entardecer, ele dormiria na casa da Sra. Alice Anima, viúva e sogra do nosso Clérigo.

“Você descobriu o nome do garoto?” Informei que ele não se lembrava mais. Ele me disse que os pais o chamavam de docinho as vezes. Nahan significa Doce como Mel. “Esse é o nome então”.

Na manhã seguinte, levei o pequeno Nahan para anunciarmos as novitudes da nossa lujinha. O velho Kalil seguia na frente contanto a todos os acontecidos (como se fosse necessário, pois, tanto o nome quanto a rotina do garoto eram repassados de boca em boca). No meio do caminho, vejo um pequeno solidéu branco. Comprei depois de pechinchar muito (tem coisas que são incontroláveis para um pobre libanês). Coloquei o presente na cabeça do nosso pequeno e dei um beijo na testa dele, desejando bênçãos.

O solidéu significa que até o topo da cabeça a força é do homem, mas acima desse pequeno chapéu toda força pertence ao Grande Criador e Senhor do Universo. Esse é o seu primeiro presente Nahan. Guarde-o com carinho.

Com a mesma carinha risonha do nosso primeiro encontro, o pequeno responde: “Não é o primeiro tio, esse é o quinto presente”.