segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

SOBRE A GRATIDÃO


Remover formatação da seleção"Cada vez que você lê o texto é como se estivesse visitando a loja. Cada idéia que se gosta, que se usa, comenta ou critica, é uma mercadoria que se compra".

No outro dia após o evento da capela, a nossa pequena vila acordou com uma algazarra de galinhas cantando, patos berrando e o mercado que sempre se mostrou calmo, estava em festa. O culpado da bagunça era o meu pequeno convidado que corria de loja em loja dizendo que estava feliz e cheio de energia. Para cada um que passava, o pequeno dizia que as lentilhas da lujinha são as mais gostosas que já comeu. Após ganhar um “bom dia” e um sorriso, o padeiro retribuiu com um pedaço de pão com coalhada seca. As boas senhoras do entorno choravam e soltavam gritinhos dizendo que “o pequeno estava sorrindo!” “O pequeno estava feliz!”. E eu, que vivo preocupado com o que acontece da porta para dentro em minha vida, não dei mais importância para os acontecimentos matutinos.

Depois de minutos da abertura dos trabalhos, o velho Kalil, meu amigo que me ajuda nas compras, entra na lujinha dizendo: “Sua lentilha é o assunto do mercado. Prepare-se para um dia cheio”. Na certeza de que o nosso clérigo tinha se zangado com a minha resposta, fiquei esperando a visita de algum Conselho, Comissão ou qualquer outra coisa punitiva parecida. Entretanto, algumas pessoas entravam dentro do meu estabelecimento desejando comprar lentilhas. Uma senhora de gastos vestidos chegou a dizer que a muito tempo não via uma criança tão cheia de vida.

Sem entender, perguntei ao velho Kalil o que estava acontecendo. “Foi o garoto de ontem” disse com a voz calma, passando a mão na barba branca. “A criança que você ajudou ontem é um orfão que a comunidade encontrou perdido no deserto”. A história que me contaram é que ninguém conseguia fazê-lo feliz. Essa foi a primeira vez que ele demonstrou felicidade. Vi o pequeno passar correndo dizendo que a sua sopa de lentilhas é capaz de fazer qualquer um sorrir”.

Lentilhas não fazem milagres. Sei disso pois vendo lentilhas a muito tempo. Alguns pratos podem ajudar numa proposta de casamento ou selar um contrato importante. Mas uma coisa assim está além da capacidade culinária de um dono de lujinha.

O nosso pequeno personagem ouvia a nossa conversa encostado na porta da loja. Perguntei o motivo daquela alegria e gratidão. Afinal, era só um prato de lentilhas. “Acho que foi o seu tempero tio”, respondeu o pequeno sorrindo de uma forma simples.

Após muitas gargalhadas, o velho Kalil propôs que vendêssemos o tempero da receita junto com as lentilhas “Está decido! O tempero é o segredo da gratidão, meus amigos! É o tempero!”.